por Raymundo Costa, de Brasília, Valor Econômico
A relação entre o Palácio do Planalto e o movimento sindical nunca esteve tão mal, desde que o PT assumiu o governo federal, em janeiro de 2003. Diante da necessidade de cortar gastos e minimizar os efeitos da crise externa no país, a presidente Dilma Rousseff determinou rigor nas negociações salariais, o que deixou contrariados setores importantes da base política de apoio governamental. O PT, estuário dos interesses dos dois lados, fez apenas um pedido à presidente da República – não derrotar o movimento sindical.
Criado no solo do sindicalismo do ABC, o PT vê-se na contingência de defender o governo e tentar impedir que os sindicalistas sejam atropelados nas negociações, como aponta a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determinou o fim da greve nos Correios e o desconto dos dias parados.
Na sexta-feira, os servidores do Banco do Brasil (BB) e da Caixa, bancos oficiais que participam da greve da categoria, já se sentaram à mesa de negociação com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) sabendo o preço a pagar caso decidissem fazer braço de ferro com o governo.
“A gente defende sempre que o governo tenha uma política econômica rigorosa, como está tendo, no combate à inflação, mas que não derrote o movimento sindical”, disse ao Valor o presidente do PT, Rui Falcão. “A nossa orientação é receber sempre e dialogar, o que não te obriga necessariamente a aceitar”.
A preocupação do governo com as negociações em curso é com janeiro de 2012, quando terá de aplicar ao salário mínimo um aumento igual ou superior a 14%, se a inflação fechar o ano no atual patamar.
Para o governo e o PT trata-se de um percentual “inegociável” politicamente. Na realidade, trata-se apenas de cumprir a lei do salário mínimo, cujas bases foram lançadas no governo Lula, mas somente transformadas em texto legal agora, com Dilma presidente.
De acordo com as regras estabelecidas na lei, o reajuste de janeiro de 2012 será o equivalente ao IPCA de 2011 mais a variação do PIB de 2010, que foi de 7,5%. Hoje isso dá um reajuste de 14,38% – pode ser mais ou menos, dependendo do comportamento da inflação.
Quando a lei foi aprovada, previa-se algo em torno de 12%, o que já causava calafrios nos mais ortodoxos. O que importa, agora, é que não há como escapar ao aumento, e o temor do governo é que ele se espalhe pela economia numa reação em cadeia capaz de provocar ainda mais inflação.
Isso explica em parte o jogo duro do governo com as greves no serviço público e as reclamações dos sindicalistas. Há quem registre também uma certa “nostalgia” no movimento sindical em relação ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando não foram raras as vezes em que o presidente em pessoa se envolveu em negociações.
Lula tinha – e ainda tem – relação direta com os sindicalistas, cultivada ao longo de uma vida. Dilma “terceirizou” as negociações para os ministérios e estatais responsáveis por cada categoria.
Foi assim nos Correios, era assim no fim de semana passado em relação ao Banco do Brasil e à Caixa, em greve desde o dia 27 (os trabalhadores nos bancos privados também cruzaram os braços). Desde então bancários e banqueiros somente voltaram a se sentar em torno da mesa de negociação na quinta-feira, depois de uma tensa rodada de conversas do presidente da CUT, Artur Henrique, com ministros e assessores diretos da presidente.
Artur Henrique conversou, entre outros, com o ministro Guido Mantega, da Fazenda, e com Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República. Ele ainda trocou ideias com o chefe de gabinete da presidente, Gilles Azevedo. Aborrecido com a falta de iniciativa dos banqueiros em relação à proposta dos grevistas, Artur queria que o governo ajudasse a romper o impasse por meio dos bancos estatais, pois se BB e Caixa voltassem à mesa de negociação, pelo peso de ambos na Fenaban, influenciariam também os bancos privados a negociar.
Por mais de uma vez, nessa rodada de conversas, Artur Henrique repetiu que ministros e dirigentes de estatais chegaram aos cargos que hoje ocupam graças às greves que fizeram no passado. Citou um exemplo, especificamente: Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento atualmente nas Comunicações, que é funcionário de carreira do BB.
Segundo o presidente da CUT, a central também fez greves no governo Lula. E no governo passado também foram descontados dias parados, como ocorreu em 2009 e 2010 com servidores do Ministério do Trabalho, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
A diferença, segundo o sindicalista, é que à época a CUT decidiu negociar e conseguiu reverter a medida, trocando o desconto dos dias parados pela reposição de serviço – assim como os Correios, agora, já começaram a fazer desde que o TST determinou a volta ao serviço.
Para Artur Henrique, o mal-estar na relação entre governo e sindicalistas não passaria de uma tentativa – da imprensa e das oposições – de “descolar” o governo Dilma do de Lula e com isso passar a impressão de que o movimento sindical é tratado diferentemente.
Nem todo o PT concorda com a visão do presidente da CUT. Setores influentes do partido avaliam que a central teve “sorte” com o fato de a primeira greve a ser arbitrada pelo TST ser a dos Correios, uma categoria dividida em mais de 30 sindicatos, nos quais o consórcio PT-CUT não é hegemônico – o controle do movimento sindical é disputado também, entre outros, por PSTU, PSOL, PCO e PCdoB.
A greve dos Correios teve efeito pedagógico para os bancários e para outras categorias que ameaçam fazer greve como a dos aeroviários, já marcada para o dia 20, e a dos petroleiros, que, por enquanto, preferiram a mesa de negociação.
A paralisação dos carteiros também livrou a presidente Dilma do desgaste de medir forças com uma central aliada: se o dissídio do Banco do Brasil tivesse entrado antes no TST, certamente a postura do governo teria sido a mesma que a adotada em relação aos servidores dos Correios, apesar de a Confederação Nacional dos Bancários ser vinculada à CUT e, consequentemente, ao PT.
Na prática, os temores de Artur Henrique são infundados: não há como dizer que Dilma trata pior os trabalhadores que o ex-presidente Lula. Em oito meses de governo, Dilma Rousseff fez pelos trabalhadores talvez até mais que o antecessor. Foi em seu governo que o acordo para o aumento do salário mínimo se transformou efetivamente em lei. O mesmo ocorreu em relação à correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), nos mesmos parâmetros do salário mínimo.
A presidente que endureceu o jogo é a mesma que sancionou recentemente duas leis de grande alcance sindical: uma exige certidão negativa de débito trabalhista de toda empresa que prestar serviços ao governo; a outra amplia o aviso prévio do trabalhador demitido, que pode chegar a até 90 dias, dependendo dos anos trabalhados.
Lula sem dúvida tinha uma relação mais paternalista com os trabalhadores e até costumava hospedar sindicalistas na Granja do Torto. A relação de Dilma é mais distante, mas nem por isso menos efetiva em termos trabalhistas, até agora.
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