Os grupos mais vulneráveis aos acidentes de trabalho – e que sofre grande impacto social – são as crianças, os adolescentes e os empregados terceirizados. A afirmação é da médica Maria Maeno, mestra em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora da Fundacentro- Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, que participou, na quinta-feira (20), do painel sobre repercussões sociais dos acidentes de trabalho, na programação do Seminário sobre Prevenção de Acidentes de Trabalho.
De acordo com Maria Maeno, 12,6% da população ocupada começaram a trabalhar antes dos nove anos de idade de forma ilegal, 38,6% até os 14 anos e 77% até os 17 anos. Com isso, observa-se que muitas pessoas se acidentam aos 17 ou 18 anos e, embora muito jovens, apresentam alto grau de desgaste. A médica alertou para o problema da subnotificação e da dificuldade de consolidação de dados, e lembrou que as estimativas de acidentes de trabalho não fatais típicos por ano variam de 4,1% a 5,8% da população. Um estudo feito na Bahia em 2000 chegou ao índice de 94,13 % acidentes de trabalho não fatais, enquanto outro estudo apontava para 5 mil casos fatais, embora os dados oficiais falem de 2 a 3 mil por ano. “É como se caísse um avião por mês”, afirmou. Para Maria, esses acidentes não conseguem comover a sociedade, que parece entender esses riscos como inerentes ao trabalho.
Grupos vulneráveis
Entre os grupos mais vulneráveis, a médica destacou as crianças, adolescentes e terceirizados. Dados subnotificados do Ministério da Saúde relativos a acidentes de trabalho com menores de 18 anos registram, somente em SP, 3.660 casos, e, no Brasil, 5.353, ou seja, dois acidentes por dia. “É importante chamar atenção para isso, por causa das repercussões dos acidentes no crescimento e no desenvolvimento desses menores”, afirmou.
Como exemplo, citou os casos, que encontrou num levantamento feito em fichas de pronto socorro quando trabalhou na Secretaria de Estado da Saúde, de esmagamento de mão de crianças com até 15 anos em cilindros de padaria.
Quanto à terceirização, chamou-lhe a atenção um dado do Ministério do Trabalho em 2005: oito em cada dez acidentes de trabalho eram registrados em empresas terceirizadas, e quatro em cada cinco mortes ocorriam com empregados de empresas prestadoras de serviço. Dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos (Dieese) mostram que os riscos de um empregado terceirizado morrer de acidente de trabalho é 5,5 vezes maior que nos demais segmentos produtivos. Entre outras razões, afirmou a médica, porque a empresa se compromete a cumprir prazos pelo menor preço, e o empregado não escolhe o modo de trabalhar. “A intensificação do trabalho com longas jornadas e a imposição de condições perigosas e penosas revelam a precarização social”, assinalou.
A médica citou uma pesquisa por amostragem feita pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, demonstrando que a categoria, de acordo com a Previdência Social, tem mais portadores de transtornos de humor, neuróticos e dos tecidos moles do que outras. Lembrou ainda que, após o acidente ou a doença ocupacional, o trabalhador precisa de tratamento e recuperação, em geral pelo Sistema Único de Saúde, pois embora muitas categorias tenham convênios, eles não cobrem acidentes do trabalho nem doenças ocupacionais.
Dano social
Maria entende que, apesar da legislação sanitária, previdenciária e trabalhista, a dificuldade de acesso a direitos constitucionais leva a população “à descrença nas instituições protetoras do Estado e na justiça, à corrosão do tecido social à falta de esperança”. É preciso trabalhar isso, com atenção não somente para os acidentados, mas para a sociedade toda. “Temos que lutar não apenas por um papel, um documento conjunto”, afirma. “É necessário entrar num acordo para enfrentar essa situação com diretrizes, pois os acidentes são provocados socialmente, e o são pelo mercado de trabalho, pela forma como se opta por organizar o trabalho, as pessoas e os meios de produção no Brasil”.
O foco dessa intervenção, a seu ver, tem que ser o processo do trabalho, e não o indivíduo, que está num contexto que precisa ser mudado. E a mudança exige, segundo ela, conversa e articulação entre gestores da saúde, do trabalho, da previdência social e do meio ambiente. A médica enfatizou, porém, a existência de vários problemas. Entre eles está o fato de que o SUS e o Ministério do Trabalho têm atribuições concorrentes na fiscalização dos ambientes do trabalho, mas não se entendem, daí a necessidade de uma política que “toque nessas feridas”. Finalizando, Maria referiu-se a uma das propostas que fazem parte do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho do pensamento do Tribunal: “ir atrás das escolas para ensinar que proteger o homem é tão importante como proteger as árvores, os animais, o solo, o ar, aquilo que nos dá a qualidade de vida”.
Fonte: TST
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